De madrugada, sem qualquer pessoa na rua, George foi até o
viaduto que ficava perto de sua rua, spray na mão, tênis, moleton de capuz, uma
escada caseira, e caprichou no desenho: um enorme coração vermelho que ficou
pingando a tinta como se fossem gotas de sangue. Dentro do coração, com letras
azuis, escreveu “Pollyanna, eu amo você! George”.
George é um menino tímido, olhar atento aos movimentos à sua
volta, envergonhado diante de outras pessoas. É daqueles que ainda fica ruborizado
em algumas situações. Bastante reservado, gosta de passear, mas também adora
ficar em casa, no seu quarto, cuidando de suas bonecas. Coleciona algumas, de
design diferenciado, importadas e nacionais. Ninguém sabe de seu hobby, que na
verdade ele não considera hobby, pois desenvolveu todo um processo de
relacionamento por causa das bonecas.
Primeiramente, teve que pesquisar onde comprar e, após
começar as compras, passou a manter contato com outros colecionadores.
Descobriu que havia um universo de collectors por todos os países. Descobriu-se
em casa, conversando pela internet com gente que gostava do que ele gostava, com garotos e
garotas que investiam algum dinheiro nas suas coleções e até com uns que, como
ele, mantinham segredo a respeito das bonecas.
Nos últimos meses, investia metade seu salário de estagiário
na compra de bonecas. Morava sozinho, o que facilitava a manutenção da sua
coleção, que só aumentava de tamanho. Loiras, morenas, ruivas, cabelos
cacheados, lisos, frisados; com roupas extravagantes ou clássicas; com
fisionomias caracterizadas, ou semelhantes a uma menina de verdade. Criou blog,
instagram, flickr, tudo para divulgar sua coleção. Passava horas com as
bonecas, arrumando nos armários, fotografando, mudando de lugar, trocando as
roupas. Para guardar tamanha coleção, comprou armários, mandou fazer, organizou
prateleiras, até que sentiu o quarto-e-sala ficar cada vez mais reduzido. Tomou
então uma decisão: iria encomendar aquela boneca dos seus sonhos, a mais cara
de todas as que já tinha; fabricada na Tailândia, linda, linda, pensava. Depois
dela, iria parar de comprar, porque considerava que sua coleção estava
completa.
Encomendou a boneca, uma LatiDoll. Iria se chamar Pollyanna,
assim mesmo, com várias letras repetidas. Todas as suas bonecas tinham nome e a
sua preferida teria esse nome. Pollyanna chegou em um sábado ensolarado. A boca
e o nariz miúdos contrastavam com os olhos grandes que brilhavam assim que saiu
da caixa. George chorou ao abraçar sua boneca, de uns 15 cm de altura,
roupinhas floridas, cabelo loiro, amarrado em duas marias-chiquinhas. Fotografou
e postou várias imagens; teve dezenas de likes; falou para os amigos
colecionadores de sua nova e última aquisição; recebeu inúmeros elogios.
O primeiro dia com Pollyanna passou muito rápido, na
avaliação de George. Anoiteceu e ele ainda nem havia lanchado. Olhou em volta e
encontrou um lugar para a boneca passar a noite, sentada à frente de outras em
uma prateleira à altura dos olhos de George. Fez tudo que tinha que fazer em
casa e, de madrugada, desceu para registrar no viaduto sua felicidade com a
nova companheira.