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06 novembro 2016

Um Quintana de sobremesa

Depois de mais de quatro horas dentro de um ônibus e de enfrentar três filas no aeroporto, finalmente me sento para ler "O melhor de Mário Quintana". Mais um "achado" na passagem pelo aeroporto de Porto Alegre. Descobri que há livros que só é possível achar por lá fisicamente.
O livro é um apanhado do melhor de Quintana na avaliação de três pessoas apaixonadas pelo poeta. O texto de Tabajaras Ruas que faz parte do livro é uma lição de história quintaneana. Se há alguém que ainda não conhece Mario Quintana deve ler esse texto e partir dele para descobrir o universo de Quintana.

Nem tão verde assim

Ela disse que era do "verde". O que seria o "verde"?, pensei então. Como não conhecia quase nada por lá imaginei um bairro, um rio ou um via pública. Senhora simpática em seus 73 anos, acompanhava o irmão 20 anos mais novo e doente terminal naquele hospital de caridade. Descreveu as condições do paciente e seguiu tratando-o com um carinho que chamava a atenção.
Veio do "verde", um lugar que soube depois ficar situado na área rural da cidade e abrigar muitos agricultores que plantam arroz. Um lugar agradável, fiquei pensando até ela começar a contar a respeito das sucessivas mortes por lá.
"Somos umas 10 viúvas", disse primeiro. "Mas também morrem mulheres, filhos e filhas nossos". Informou ainda que as frutas não são como antigamente, que as árvores perdem folhas e frutos antes da hora. "Acho que é a fumaça dos aviões que pulverizam a lavoura por lá", conclui sabiamente a respeito da praga jogada sobre o arroz.
Fiquei pensando quem seria o próximo a ser extinto em meio ao "verde". Ela mesma, que já toma 10 remédios por dia, ou o irmão que, apesar de deficiente, tinha saúde até ficar no estado em que se encontrava?
Mesmo interessada no início da conversa por conhecer o "verde" percebi que se tratava de mais um lugar mal explorado pela ação do homem, que fica à beira do rio que lhe dá nome e que já está tão poluído como um rio qualquer de qualquer centro urbano. De verde ficou só o nome.

04 novembro 2016

Camuflagem

Com suas roupas estampa-camuflagem
aquele monte de soldados parecia
uma floresta
árvores andantes como nos contos de Narnia
contra a luz das portas
e janelas
eram apenas seres em seus afazeres e
deveres

03 novembro 2016

Poema social

Levantei os olhos para aquele monte de cachorros que atravessavam a avenida
- grandes, fracos, famintos, olhos caídos espreitando
Quase não vi os carros que atravessavam o asfalto quente do meio da manhã
- o asfalto quente do meio da rua queimando os pés famintos dos cachorros
Uma matilha 
pensei assim que vi o monte de cachorros
Mas matilha imagino um grupo unido sem disputa
Eles estavam farejando a melhor caça com caras de não quererem dividir nada
Fiquei olhando por um tempo não medido
Os cachorros passaram 
sumiram
no fim da rua
Quando voltei a olhar para o lado real da avenida lá estavam outros
famintos seres com os mesmos olhares famintos e cansados também em grupo sem dividir nada além da fome e da tristeza
- um deles tinha um violão e uma canção
- outra, duas crianças sem esperança
Homens mulheres jovens e velhos
Olhei em volta procurando um canto pra pensar e escrever um poema de cunho social e me dei conta de como é utópica e inútil essa ideia