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10 janeiro 2007

SENTIR - VERBO INTRANSIGENTE


De repente um grito! O meu grito se identificando com outros gritos de um momento histórico retratado pelo pintor norueguês Edvard Münch.
De repente, a perda, a tristeza, o choro, o corpo e a alma; um mundo fragmentado tentando se recompor. Depois o renascer, a retomada do ciclo da vida, o encontro do equilíbrio, a beleza e a felicidade, tudo à espera de um anoitecer bem iluminado.

Esta obra é pura emoção! Uma demonstração de que tenho sentimentos em excesso e não tenho escrúpulos de expô-los. É a minha conjugação do verbo sentir de maneira intransigente, sem ter que me desculpar por isso, sem ceder à razão.


Amar - verbo intransigente nasceu sob o impacto de um dos mais fortes sentimentos impostos ao ser humano, a dor da perda. Cresceu amparado na esperança e na alegria da retomada e da confirmação da vida. Agora, e desde que passei a entender e aceitar que a impermanência é uma constante no ciclo da vida, ele apresenta-se como um baú de emoções, um lugar de aconchego, de solidariedade, de encontro.

Neste catálogo de sentimentos que surgiram a partir da observação de pinturas reconhecidas em todo o mundo está um pouco de dores e paixões, cores e alegrias do dia-a-dia, está a expressão de emoções particularizadas, colhidas no cotidiano. Na forma, Amar - verbo intransigente é um conjunto de 13 poemas que marcam o encontro da poesia escrita com a poesia pintada; em seu conteúdo, é uma licença poética e pictórica que me permiti no momento em que esse era meu único meio para interpretar e traduzir o ciclo da vida. O resultado dessa experiência está em Meu Grito, Ausência, Meu Desaguar, Fragmentos, Meus Nascentes, O Círculo, Tao, Criança, Eternidade, Sonho, Desejo, Doce Vida e Noturno.

Noturno

Minha noite está chegando
explodindo luzes na negritude do universo,
se destacando cintilante
nos contornos da paisagem,
e se sobrepondo aos dias
em luminosa luminescência.
Minha noite é luz,
vaga-lume aceso na imensidão,
um eterno farol de neón
que irá garantir tranqüilidade
até o fim da viagem.

Criado em 24-09-2005 sobre Noite estrelada, de Vincent Van Gogh, para Sentir - Verbo Intransigente

Doce vida



Só descobri a felicidade quando olhei na fechadura de meus olhos
e vislumbrei o universo efervescente,
brilhante em seu eterno breu e tão instável em sua eternidade
Ali é o lugar onde eu sou feliz;
ali está a placidez e a velocidade atômica.
É ali, imagem que vasculho diante deste espelho,
que descubro que
a vida é tão boa que

até sem fazer nada
nos esparramamos no viver!
Olho nos meus olhos e me vejo,
- e te vejo, vida –
no pequeno diâmetro da íris luminosa
refletindo todas as cores, o ritmo, as dores, as paixões

do meu viver.
É por isto que o ócio de uma tarde de sol

faz pulsar mais forte o coração!

Criado em 02-10-2005 sobre Onde eu estaria feliz, de Emiliano Di Cavalcanti, para Sentir - Verbo Intransigente

Sonho



Não há sonho que não me mostre meus anseios mais disformes
aqueles tortos desejos que à luz da realidade
batem asa e vão-se embora.

Nesta viagem, encontro sempre num canto da memória
uma lagarta perdida, muito feia, muito triste,
achando que não tem chance na vida.

De repente, cria cores, estremece, surpreende os próprios sonhos
e se despede da amorfa idade. Agora, lá vai ela
derrubando barreiras antes que chegue o dia.

Criado em 02-10-2005 sobre Personages in the presence of a metamorphosis, de Joan Miró, para Sentir - Verbo Intransigente

Eternidade


Olha bem nos meus olhos!
Eu conheço você
Você me conhece
Somos todos um corpo
viajando há milênios,
se desmanchando,
se reencontrando,
se misturando em abismos e campinas.

O mesmo pincel que traçou minha tão perfeita tez
pode colorir seus lábios,
pode limitar suas paisagens,
traçar e refazer seus caminhos.

O movimento que meus olhos trazem
é o percurso da eternidade:
parados, olham o infinito,de soslaio, revelam outras estradas.


Criado em 22-09-2005) sobre Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, para Sentir - Verbo Intransigente

Criança


Ainda há uma criança me puxando pela mão
convidando para brincar
inventar histórias,
não ter medo de conjugar o verbo criar;

Há tempos preservo esta companhia,
minha porção criança,
gerúndio e sinônimo de alegria,
que alimenta
meu estado de bem-criação;

Não é nada inocente este ente!
É um travesso recomeço
que encontro pelos cantos,
sempre que ameaço
com uma malcriação.


Criado em 05-09-2005 sobre As meninas D'Anvers, de Pierre-Auguste Renoir, para Sentir - Verbo Intransigente

Tao



É este equilíbrio que busco:
oferta complexa
na aparente simplicidade;
surpresa na manga no final da linha.
O Tao mirando o caos
tal e qual direito e avesso
cores opostas,
compostas e prontas
para colorir o prisma e rodar a vida.


Criado em 31-08-2005 sobre Composition A, de Pieter Mondrian, para Sentir - Verbo Intransigente

O círculo


Um rodopio sem fim
que traz de volta o que passou,
leva embora o que ficou,
para de novo retornar
neste ritual incessante
e variante.

Às vezes
o círculo se abre,
vira reta desequilibrada;
Às vezes o círculo é uma flecha
apontando para o infinito;
outras vezes, ainda,
é uma roda apertada
que não deixa
transgredir;

E é neste movimento
que nos encontraremos um dia:
no leva-e-traz da vida,
na impermanente
estática,
na renovação
constante
do
equilíbrio.

Criado em 05-09-2005 sobre Dance, de Henri Matisse, para Sentir - Verbo Intransigente

Fragmentos

Meus pedaços recortados se
soltam no mesmo espaço em que se
encontram com outros traços e se
aglomeram descompassados se
um novo ritmo se
instala se
houver condição e se
de novo se
quiserem ser
religação.


Criado em 20-09-2005 sobre Composition VIII, de Wassily Kandinsky, para Sentir - Verbo Intransigente

Meu desaguar



Não pensei que fosse revelar tanto de mim
neste choro compulsivo
que mostrou minhas entranhas
carne-osso-coração.

Eis-me aqui desaguando
todas as perdas
em luto cúbico
de multicoloração.

Eis-me desembrulhada
descascada
nariz cheirando os olhos
que miram nuca e orelhas.

Eis-me inteira, intacta
nesta dissolução de
carne-ossos-emoção,
lágrimas saindo dos joelhos,
cabelos, pescoço e tornozelos.

Eis-me ainda recortada
quebra-cabeça a ser montado;
vesga, linda, luminosa,
pele e osso em cor primária.

Um belo exemplar com várias opções
de ângulos para se admirar.


Criado em 29-08-2005 sobre Mulher Chorando, de Pablo Picasso, para Sentir - Verbo Intransigente

Ausência

Como é difícil descrever a tua ausência
se continuas presente nas lacunas,
na invisível existência de teu ser.
É impossível não te adivinhar as formas,
não reconhecer teu rosto,
mãos, pernas e coração
no oco da emoção,
na escultura revelada pelo avesso,
na máscara marcada com contornos eternos.

Daqui pra frente, pelo resto dos meus dias,
terei sempre o negativo da imagem
como a confirmação da existência.
Enquanto não fores mais
a vida se revelará;
e eu viverei percebendo
que falta uma parte da minha paisagem.


Criado em 24-09-2005 sobre Homem Invisível, de Salvador Dali, para Sentir - Verbo Intransigente

Meu grito

Estou passando por esta ponte
que parece não ter fim!
Um espanto contínuo
permanece em meus olhos,
na boca aberta,
(boquiaberta a lembrança,
lá e cá oculta por uma névoa
providencial, intrometida).
Na memória de minhas guerras
não há sangue derramado
Há campos de flores cultivadas,
um pouco de sonhos abandonados,
cavalos alados,
um tanto de real felicidade
e apenas um corpo estendido no chão.




Criado em 28-08-2005 sobre O Grito, de Edvard Munch, para Sentir - Verbo Intransigente