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08 dezembro 2012

A cor do pôr-do-sol

O dourado leão rugiu e entreabriu os dentes. Agora, múltiplas janelas brancas permitiam-me ver o mundo lá fora. Tudo era amarelado, quente, tranquilo. À frente da enorme dentadura apareciam longos pelos cacheados e loiros, que aumentavam o tom dourado do interior daquela boca. Como um bebê no colo da mãe, eu me aconchegava àquele mundo. Sabia que havia outro mundo lá fora para conhecer, mas, ao mesmo tempo, tinha certeza de que não queria sair nunca daquele lugar tão confortante.
Do lado de fora, havia uma gestante que criou o hábito de ir ao encontro do marido, ao cair da tarde, para esperá-lo voltar do trabalho. Gostava de andar ao pôr-do-sol. Acreditava que os raios solares daquele horário eram saudáveis para o bebê. Caminhava sempre pelo mesmo caminho, de encontro ao poente, às vezes cerrando um pouco as pálpebras para ver se identificava algum amigo na multidão de silhuetas douradas. Foram nove meses de contato quase diário com aquele mundo amarelado e quente, que alimentava a felicidade que sentia pela chegada do primeiro filho.
Do lado de dentro, novamente o leão rugia e entreabria janelas douradas para o bebê receber os saudáveis raios de sol. Eu sentia o calor, embora não pudesse ver de onde vinha; eu percebia a claridade, mas não sabia que lá fora havia dia e noite; eu acreditava apenas que o mundo que iria me receber era dourado e aconchegante. Quando nasci, não foi exatamente do jeito que eu imaginava, mas era quase igual. Para não esquecer o meu mundo idealizado, toda vez que dormia eu, recém-nascida, recordava as imagens que vivenciara enquanto estava dentro da mãe.
Durante muitos anos sonhei repetidamente com essa cena. Eu, dentro da boca de um leão, em um mundo dourado e aconchegante, uma realidade fantástica que incluía a figura imponente e selvagem do animal que me mantinha enclausurada. Só consegui entender o significado daquele sonho e por que ele se repetia quando me deparei com a cor do pôr-do-sol na parede de um edifício, a caminho de casa, em uma cidade bem distante daquela onde nasci. Estava ali, diante de mim, o mesmo tom dourado do meu mundo onírico. Cerrei um pouco as pálpebras e revi a cena dos dentes do leão entreabertos e o mundo inteiro lá fora em silhuetas amareladas, não identificadas, uma multidão atravessando o poente.
Em consulta à minha mãe, confirmei o que já suspeitava: eu estive por nove meses, dentro de sua barriga, vendo o mundo em silhueta contra o pôr-do-sol. (2006)

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