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07 dezembro 2012

A sesta

A cidade dormia logo depois do almoço. Não importava se fosse inverno ou verão. Nos invernos até que era compreensível aquele movimento todo nos quartos como se fosse de noite, com todo mundo a arrumar suas camas apressadamente, como se o cochilo não pudesse esperar. Nos verões, no entanto, era inacreditável ver uma cidade inteira sestiando, ganhando aquele aspecto de vilarejo mexicano em filme de bang-bang.
Eu já havia me esquecido dessa característica quando, anos depois, retornei àquela pequena cidade e decidi fazer compras logo após o almoço. Era outono, estava nublado, e percebi que a cidade continuava a mesma da minha infância. O horário da sesta ainda mantinha o mesmo aspecto, o mesmo silêncio só quebrado pelo som do vento ou de um ou outro carro passando solitário. Aparentemente, nada havia mudado. As lojas na avenida mais longa exibiam suas portas coloridas, fechadas, formando um arco-íris no dia cinza. Na praça em frente, alguns cachorros dormiam nas calçadas, enquanto pombas disputavam insetos nos canteiros de flores. Somente os pássaros quebravam a monotonia do lugar. Eram os únicos seres vivos, à vista, que não dormiam. Olhando um pouco mais longe, era possível perceber que os paralelepípedos nas ruas eram as únicas novidades aparentes.
Fiquei ali mesmo, sentada em um banco no centro da praça, esperando a cidade acordar. Um vento frio passava por baixo do banco empurrando as pombas e outros pássaros para um lado e outro da calçada. A situação era adequada para aquelas reflexões que exigem silêncio, solidão e tranqüilidade. Comecei a pensar na minha infância, em quantas vezes havia brincado naquela praça, que parecia ter encolhido. Recordei outras etapas de minha vida, compartilhadas com amigos que ainda moravam lá. De repente, um susto. Uma das pombas havia pousado em cima do banco e começara a puxar meu casaco com o bico. Só então percebi que também havia tirado uma soneca.
As portas das lojas estavam começando a ser abertas, enchendo de ruídos a rua inteira. Os cachorros se levantaram, passaram uns meninos de bicicleta e de um momento para outro toda a cidade acordou, voltou à rua e eu fui às compras, ainda com sono. (2006)

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