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29 dezembro 2012

As Cinco Marias

Eram cinco bonequinhas, eram cinco pedrinhas, cinco conchinhas, cinco bolas de papel, cinco pedras grandes, cinco dados, cinco sementes de pêssego, cinco pastilhas coloridas caídas de alguma parede no caminho da escola, cinco pedaços de qualquer coisa. Todos com nome de Maria.
Assim como as inseparáveis Três Marias no céu, nós conservávamos as nossas cinco na terra como peças invariáveis de um jogo que usávamos para brincar a qualquer momento. Se fossem quatro, não tinham qualquer valor. Só serviam as cinco, de tamanho, formato e peso semelhantes. Elas pulavam, rolavam, passavam por baixo da ponte, eram arremessadas no ar, caíam e se esparramavam, mas eram sempre reagrupadas.
Não havia Cinco Marias para comprar em loja de brinquedos. Penso que uma das etapas mais prazerosas da brincadeira, pelo menos para as meninas, era justamente compor um jogo de Cinco Marias; inventar as peças, agrupar objetos semelhantes e partir para a brincadeira. Os grupos mais freqüentes eram os de pedras. E como gostávamos de formar novos grupos de pedrinhas semelhantes! Descobríamos pedras de todo formato. Nessa procura, até pequenas pedras quadradas passavam a integrar nossos conjuntos de Cinco Marias.
Chegava um momento em que cada uma de nós tinha um saco cheio de pedras e de outros objetos que precisavam ser reagrupados sempre que a brincadeira começava. Esparramávamos todas as peças e nos divertíamos formando os vários jogos de Cinco Marias. Creio até que esse era um dos motivos que afastava os meninos desse jogo.
Isso, porém, fazia com que as preliminares de cada jogo despendessem bastante tempo da brincadeira. Na primeira fase, não só eram expostas as coleções de Cinco Marias de cada jogadora – enquanto os meninos chegavam com um único conjunto de pedrinhas e queriam partir logo para o jogo – como também eram estabelecidas as regras da jogada, tarefa que em geral gerava discussão.
Às vezes, ainda, interrompíamos o jogo até para discutir acerca do peso das peças. Se fosse uma pedra muito pesada não servia, porque podia machucar; também não serviam as pedras que fossem muito leves.
A segunda etapa consistia na escolha do grupo de Cinco Marias por cada jogador. Depois de escolhido, combinávamos que esse conjunto teria de ser utilizado até o final da brincadeira, para evitar que cada participante ficasse escolhendo um novo conjunto a cada rodada do jogo.
Depois das pedras, as melhores peças de Cinco Marias eram as confeccionadas com a ajuda das mães. Elas costuravam vários saquinhos de pano que enchíamos de arroz, ou de algodão ou até de areia. As Cinco Marias de pano eram boas para jogar, tinham o peso ideal, ganhavam impulso e mobilidade. Exclusivas das meninas, eram bonitinhas e coloridas, embora ficassem sujas com muita facilidade.
Cerca de três décadas mais tarde, encontrei em uma loja de brinquedos pedagógicos um joguinho de Cinco Marias, formado por cinco sorridentes bonequinhas de pano, com trancinhas, vestidinhos, guardadas em um saquinho do mesmo tecido. Imediatamente, comprei o brinquedo e levei para casa a fim de reviver o jogo que tanto prazer proporcionava à minha infância. Minha onda de nostalgia bateu e voltou na indiferença das minhas filhas, que consideraram o brinquedo chato e sem graça. Disseram que ainda tentaram jogar, mas não conseguiram a coordenação motora necessária para movimentar as peças. Tentei ensiná-las, mas constatei que nem mesmo eu conseguia passar as Cinco Marias por baixo da ponte.
Percebi então que esses brinquedos do tipo “caseiro” apenas viraram moda e objeto de estudo e de curiosidade popular. Hoje eles são encontrados em lojas que vendem material de apoio pedagógico. Muitos foram recuperados das gavetas dos pais e até dos avós, mas não passam de curiosas peças superadas pela natural ação do tempo. (2006)

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