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03 março 2013

Uma pasta de lembranças

Assim que entrei naquela loja, especializada em bolsas, malas e outros objetos confeccionados em couro, um determinado cheiro trouxe-me de volta à lembrança minha primeira pasta escolar. Marronzinha, com duas fivelas que fechavam uma aba larga por cima da abertura, uma alça confortável para minhas mãos de seis anos de idade, a pastinha tinha um cheiro inconfundível. Tinha também barulhos que até então não conhecia, como o som dos lápis de cor batendo uns nos outros, soltinhos dentro da pasta.
O inesquecível cheiro da pasta detonou imediatamente uma sequência de recordações que me arremessaram para o meu primeiro dia de aula, quando a pasta desempenhou seu papel de coadjuvante. Revi as cenas daquele dia como se estivesse assistindo a um filme de ficção.
Cena 1 – Com a pasta marrom na mão esquerda, a mão direita segurando firme no corrimão de madeira de lei da escada em curva, a recém-chegada aluna sobe para o segundo andar, integrando uma fila de também novos alunos ansiosos por ingressar na nova etapa de suas vidas. Se a câmera buscar um close da menina vai registrar sua respiração ofegante, uma gotinha de lágrima nos cantos dos olhos, as mãos suadas deixando marcas no corrimão.
Cena 2 – A menina tem sua primeira visão da sala de aula: é enorme, dirá mais tarde em casa, para os pais. Toda branca, janelas gigantescas pintadas de verde-claro, mesas coladas nas cadeiras, que chamam de carteiras, um enorme quadro verde, que chamam de quadro-negro, e um monte de giz e apagador sobre uma escrivaninha que serve de mesa da professora.
Cena 3 – A professora pede para os alunos pegarem caderno, lápis e borracha e a menina, pela primeira vez, abre a pasta para usar seu material escolar. Ela acha que foi neste momento que sentiu mais forte o cheiro inconfundível da pasta, porque estava sentada e, para abrir a pasta, teve que colocá-la sobre as pernas o passar a aba perto do nariz para virá-la para trás e tirar o caderno, o lápis e a borracha. Foi quando percebeu também que a parte de dentro do couro não era lisa como a parte de fora. Ainda se deteve por um ou dois segundos passando a ponta do dedo indicador da mão direita no material e teve tempo de lembrar que era igual a uma bota da sua irmã.
Cena 4 – A professora mostra, pela primeira vez, sua autoridade, perguntando alto se todos já estavam com o material sobre as carteiras. Ela fechou a pasta rapidamente e a colocou embaixo da mesa. Já sabia que havia um local para colocar material sob a mesa, porque já batera um dos joelhos na madeira.
Cena 5 – A vendedora da loja pergunta: “Posso ajudá-la? Procura bolsa ou pasta?”, e toda a sequência em flashback é substituída por uma cena do presente.
Cena 6 – A menina, já adulta, agradece, pede desculpas à vendedora e sai da loja ainda sentindo o cheirinho da antiga pasta. (2006)

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