Olhava fixamente para o relógio
para não perder o movimento do ponteiro dos segundos. E começava a contar os
segundos, de cinco em cinco, confirmando a cada quinta batida se a haste
coincidia com o pontinho do mostrador do relógio. Ficava assim por alguns
minutos, vendo o tempo passar. Tinha satisfação nessa atitude, pois se sentia
senhora do tempo, com consciência plena de que realmente estava vendo o tempo
passar, materializado naquele bater ritmado do ponteiro dos segundos.
O que é o tempo? Pensava nisso
sempre que começava a contar os cinco segundos depois de outros tantos cinco
segundos. E respondia para si mesma: o tempo é uma sucessão de cinco segundos.
O tempo não é nada se os relógios não existirem. O tempo não é o relógio. Pensava
tanto que acabava perdendo a contagem dos cinco segundos. Deixava então o
ponteiro coincidir com um dos pontinhos do mostrador e reiniciava a contagem.
Às vezes ficava com raiva de
suas manias; desta mania especificamente. Para que contar os segundos? Levantava
de onde estava e deitava o relógio, mostrador contra o tampo da mesa. Mas, já
no ritmo dos ponteiros, começava a contar de cinco em cinco só de ouvir as
batidas. Nada mais adiantava, pensou quando de noite, no escuro, olhos buscando
faíscas no breu, imaginava um enorme relógio suspenso acima da cama, com
ponteiros luminosos. Pensava no relógio que marcava a passagem do tempo na
história do Ziraldo “O Menino Maluquinho”, e se embalava naquele mostrador,
como se fosse um balanço gigante. Balanço ritmado, tic-tac para cada lado,
norte, sul, leste, oeste, pra cima, pra baixo, de um lado pro outro
interminavelmente.
De manhã, acordava cansada, com
o tempo passado estampado em seus olhos avermelhados, nas pupilas dilatadas, na
musculatura adormecida. Sentia-se como se tivesse vivido dez anos durante uma
única noite. E a cada noite sentia-se mais velha, como se o tempo estivesse
pesando sobre seus ombros. Quando se olhava no espelho chegava a se enxergar
envelhecida, pele enrugada, olhos caídos e inchados. E do lado o infindável
tic-tac a comandar-lhe os movimentos, a lhe tomar o tempo, a lhe roubar a
juventude a cada segundo. (03-06-2010)
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