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17 dezembro 2014

Um Natal em silêncio

Ainda não entendi por que a frase “nunca o silêncio foi tão eloquente” foi dita por aquele senhor no caixa de um supermercado, quando comentava com a funcionária que optara por passar o Natal sozinho.
- Não quero saber de ninguém, uma filha está no Rio, o resto da família foi para uma praia. Eu finalmente vou conseguir ficar só - e aí disse a tal frase.
Será que ele quis dizer “nunca o silêncio foi tão urgente, necessário”, ou coisa parecida? Isso porque, pelo que ele falou, ainda não está só, mas vai ficar, pretende ficar e está ansioso por isso. Então o silêncio ainda não está eloquente. Muito mais do que não entender por que ele disse a tal frase para ilustrar sua situação, chamou a atenção a própria frase. Dita assim como se estivesse em cima de um palanque. Ele até levantou a mão direita como se quisesse engrandecer a eloquência do silêncio pretendido e, após citar a frase, olhou em volta angariando aplausos.
Imaginei que ele tivesse lido em algum lugar aquela citação e fez questão de repeti-la na primeira oportunidade, por tê-la achado interessante. Realmente trata-se de uma frase que causa alguma sensação, mas para mim era inédita. Fiquei curiosa com a origem daquelas palavras e fiz uma pesquisa no Google assim que cheguei em casa (tinha certeza de que não era criação do senhor que gosta de ficar sozinho no Natal). Frase entre aspas e lá estava o autor e a obra: o psiquiatra Augusto Cury, em um dos volumes da coleção “Análise da Inteligência de Cristo”. Nunca li nenhum livro e também não vou ler só para me deparar com a tal frase em alguma página no meio da obra. Mas com certeza aquele senhor já leu e, se a coleção contém cinco volumes, é provável até que queira ficar sozinho para poder ler toda a obra.
Senhor de meia-idade, como se diz popularmente, ele deve ser aposentado, assim como a mulher, e tem filhos ainda em casa. Pode ser até que tenha netos morando com eles. Cachorro, diarista, vizinha sempre presente em conversa com a mulher, e por aí vai. Como é que ele consegue então sentar em um canto da casa para ler seus livros? Dentro do quarto? - de repente a porta se abre e entra um netinho com o cachorro atrás. Na sala? - a diarista está passando aspirador na casa, impossível se concentrar. No escritório? - o filho está sempre por lá usando o computador.
Enfim, sem saber objetivamente por que é que ele quer ficar sozinho no Natal e por que citou aquela frase da pentalogia de Augusto Cury, só me resta encontrar um canto sossegado para imaginar situações possíveis e improváveis que o levaram a tomar a decisão.

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