Foi inevitável lembrar deste poema e da situação em que me encontrava quando foi escrito. Hoje estou há 15 dias #emcasa, devido à pandemia provocada pelo coronavírus, que é novo mas que não deve ser o último com esse poder. Como já contou o personagem Mino, o menino do futuro, o ar fica cada vez mais tóxico no nosso planeta.
E agora?
Acabei de ler o segundo livro
e tenho que continuar neste enormespaço de friovento.
E agora?
Quando não se tem o que fazer,
o jeito é jogar o tempo fora,
pela janela. Janela?!?
Não é possível. Todas estão fechadas,
intransponíveis.
Olhar para a frente, para os lados.
Descobrir o sol numa nesga de persiana.
Viajar! Virar borboleta e passar pela fresta.
Empresta suas asas para mim?
Faltam ainda algumas longuíssimas horas.
O sol se põe
e não posso acompanhá-lo, deitando-se pelo horizonte.
Ecoam vozes estranhas.
Em minhas entranhas,
Em minhas entranhas,
conservo ainda vontades, saudades e esperanças
de outras terras, outras idades.
Retorno adolescente ao banco da praça;
volto revolucionária ao dedo na estrada.
Espantada,
com fome e sono.
Viagens, viagens...
tantas fiz por estes mundos,
sem nunca ter saído da jaula, quebrado grades
(e descobrir que o guarda dorme e não me vê fugindo).
Viagens, viagens...
Vaguei mundos e estrelas na ponta do lápis.
Mais tarde,
só a máquina de escrever
conseguia acompanhar meus voos.
Em grande velocidade,
transformava todas as expectativas em saudade
de coisa já vivida.
Assim, fui realizando meus sonhos,
sem nunca precisar acordar.
Construí mundos e(m) fundos de quintais.
Cachorros latindo, roupa no varal, criança chorando e
longe o barulho do rio,
rodeado de palmeiras e eucaliptos.
Ah, água que tem força sobre mim!
Parada, me miro
(vira espelho)
c-o-n-t-e-m-p-l-a-ç-ã-o.
A ação do tempo.
Correndo, me persegue,
(vou atrás),
me envolve como lençol revolto
e me transporta.
Involuntária passagem.
No mar, subindo em ondas, marés, ventanias.
Batendo na rocha, no meu rosto.
Batendo naquela verdade escondida,
na porta fechada a todas as chaves.
Machucando,
ferindo.
“Água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura”.
De rocha à areia,
na mágica mutação da natureza.
Chego à praia,
(a mais uma viagem). A melhor.
Cheiro, quentura, gosto.
Tudo é sal,
sol,
maresia.
Tem ventania que não deixa nada parar.
Tem ventania com gosto de sal.
A onda sobe mais
uma vez,
outra e outras,
infinitamente.
Sem dono, sem patrão, sem domador.
Fera brava que engole até gente
e que não se deixa dominar.
A tarde cai rapidamente.
É hora de voltar para casa,
sem deixar de ver, antes, o pôr-do-sol.
Que lindo!
Como é grande sobre o mar.
(- Mamãe, quando o sol cair no mar ele esfria? O mar afoga
ele?
- Não seja burra menina. Ele passa longe do mar.)
O ônibus parte assim,
com esta visão. Despedidas?
Só do caranguejinho que insistia em me acompanhar.
Daí para um outro lugar foi um pulo.
O ônibus tinha asas e foi atrás da gaivota.
Longe ela parou. Em
cima da montanha.
Era um ninho,
de onde saiu uma ninhada de gaivotinhas.
Agora não tinha lugar para tanta gente
e quem estava no ônibus
resolveu escalar a montanha, abaixo. Desescalar.
Na descida, é claro, grutas e cascatas.
Mistérios ancestrais
encravados nas paredes. As pedras rolam,
soterram formigas e pernilongos.
Dentro da gruta, uma saída
que vai dar de volta à realidade.
Pés no chão...
as estranhas vozes dão sono. Só eu escuto. Só.
Sentidos atentos
e vontade de realmente voar com(o) borboleta.
Ruídos todos voltam:
ônibus, gente, máquinas distantes.
Ainda não consigo identificar grande parte deles!! Que
coisa!!
Estou com dor na mão e peso nos olhos.
(criada em 06-12-1983