Criatividade não faltava também às outras crianças da vizinhança, embora algumas brincadeiras com os luminescentes insetos espalhassem medo. Havia um menino que gostava de assustar as meninas - essa relação é milenar? - colocando vaga-lumes dentro da própria boca e surgindo no escuro com os lábios abertos e os dentes semifechados, parecendo uma caveira no meio da noite. Era horrível e nojento. Depois que passava o susto, ele abria os dentes e uns dois insetos saíam de sua boca. Ele cuspia no chão e dava gargalhadas de vencedor, enquanto os assustados amigos reclamavam de sua audácia.
Havia outro menino que gostava de colecionar os pirilampos e fazia pesquisas para explicar por que havia variedades de vaga-lumes, de tamanhos e formas diferentes, todos com a “lanterninha do bumbum”, uns mais marrons outros mais esverdeados. Nós prestávamos atenção por alguns minutos, ele apagava a luz para mostrar vários vaga-lumes piscando ao mesmo tempo e, em seguida, o grupo partia em busca de outros exemplares no quintal mais próximo.
Um dia a infância acabou; a pequena cidade cheia de quintais de pirilampos ficou distante; os vaga-lumes piscavam cada vez mais longe, no meio do campo, enquanto o ônibus deslizava pela estrada afora. Até que, perdido na cidade grande, um adulto que também pegava pirilampos quando era criança avistou os luminosos insetos em situação inusitada e registrou:
“Em meio da ossaria
Uma caveira piscava-me...
Havia um vaga-lume dentro dela.”
O poeta Mário Quintana revelava a infância com seus versos, fazendo sem querer uma referência à brincadeira assustadora do menino que colocava vaga-lumes dentro da boca.
(2006)
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