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02 dezembro 2012

Vacas no ar

Oh! As vacas estão se coçando na antena de novo!” Invariavelmente, era o que meu tio dizia sempre que a televisão enchia-se de chuviscos, traços horizontais e verticais. Ficava um borrão só e ele, para não deixar o clima azedar, vinha com a velha história que contava desde que o primeiro aparelho de TV chegou a sua casa. Insistia que o sinal ficava ruim porque as vacas vinham em grupo coçar as costas antes de se deitarem para dormir.
“Um dia elas ainda vão derrubar aquela antena”, vaticinava. “Ai sim nunca mais vamos ver essas porcarias”, arrematava para deixar minha tia furiosa. Ele podia dizer isso, porque era o único que conhecia a antena instalada próximo à cidade. Era uma antena que distribuía o sinal para toda a região, mas não era o equipamento suficiente para sustentar a transmissão sem interferências. 
 “O pior é que se essa se vai, ficamos assistindo só os programas dos castelhanos”, dizia ainda às gargalhadas. E tinha razão. Podia ficar pior do que já era. Se o sinal das emissoras brasileiras caísse, entrava no ar, imediatamente, o sinal das TVs uruguaias, imagens que guardo até hoje como sendo as primeiras que assisti em um aparelho de televisão. Batman e Robin, em preto-e-branco, em espanhol, em um volume altíssimo na casa do vizinho. Uma situação inesquecível! 
Diante dessa expectativa, acreditando ou não, torcíamos toda noite para que as vacas não resolvessem coçar as costas na antena. Minha irmã, menor, acreditava realmente que as vacas causavam a interferência no sinal da TV. Às vezes, para provocar briga, ficava repetindo: “As vacas estão chegando, as vacas estão chegando!” 
Eu, querendo mostrar que era esperta, falava qualquer bobagem em resposta. Dizia, por exemplo, que as vacas não se coçariam na antena porque sabiam que levariam choque elétrico. As vacas, eu dizia para todos, eram espertas, inteligentes, sabiam onde estava o perigo. 
Mais chato que ver televisão com a iminência de perder o sinal a qualquer momento era ouvir dos mais velhos as mesmas reclamações de sempre, cada vez que os chuviscos surgiam. Meu tio era o único que não reclamava, mas atacava com a história das vacas; minha irmã ficava provocando com o conto que as vacas estavam chegando. 
Os episódios em torno da perda ou da manutenção do sinal de transmissão eram tão corriqueiros e reincidentes que hoje nem conseguimos lembrar os programas que assistíamos na televisão naquela época. Todos, no entanto, sempre se lembrarão da ironia de meu tio atribuindo a um animal a capacidade de tirar do ar os produtos de um veículo de comunicação que chegava para conquistar todos os cantos do planeta. (2006)

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