O idoso que todo dia passa me lembra da figura do querido sogro que até há menos de três anos morava na nossa casa. Ele fazia uma caminhada todos os dias e, até onde eu sei, parava para cumprimentar crianças e adultos, para comentar sobre algum cachorrinho pelo caminho, para agradecer aos motoristas que permitiam que ele atravessasse na faixa de pedestre com segurança. Depois do café da manhã, diariamente, descia para andar. Creio que havia quem aguardasse sua passagem por aquele mesmo caminho, assim como nos acostumamos a ver outros idosos passarem pela calçada quase sempre no mesmo horário.
E a queda de bicicleta resgata outra reminiscência, esta
diretamente relacionada à minha infância. Em um quente domingo de um verão no
Sul do país, resolvi sair de bicicleta pelas ruas da vila em que morava. Era a
famosa hora da sesta, quando pais e mães dormiam depois de um almoço farto, com
ventiladores ligados e um radinho no canto com um locutor gritando os gols dos
jogos de domingo. Enjoada com este tédio de uma tarde dominical, peguei minha
bicicleta na garagem e sai. Subia e descia a rua que não tinha calçamento. Era
só terra, pedras e poeira. Acho que foi no momento em que virei a cabeça para o
lado, a fim de ver o rastro de poeira, que a roda da bicicleta passou sobre uma
pedra mais elevada. Lá fui eu para o chão. Assustada, comecei a gritar, ou
chorar, não me lembro mais. Como não havia ninguém à vista, pois deviam estar
todos dormindo que nem os meus pais, fiquei ali sob o sol das duas da tarde,
com uma perna presa entre uma pedra e a bicicleta. Fui puxando devagar a perna
e sentia que aumentava a dor na pele, que ficava mais arranhada devido ao peso
da bicicleta sobre uma perna de criança. Rastejava chorando, me sentindo
abandonada e insegura. Até que consegui sair debaixo da bicicleta com o alívio
de quem sai debaixo de um trem. Neste momento apareceu um vizinho que veio me
socorrer. Com a pergunta de sempre – “machucou? –, me ajudou a andar até o
portão da minha casa, enquanto carregava a bicicleta. Entrei em casa chorando
para desespero da minha mãe. A perna não sangrava tanto quanto doía e doeu mais
ainda na hora do curativo materno. A dor maior veio depois, quando me vi
impedida de andar de bicicleta no próximo final de semana e tive que ficar na
sala ouvindo o insuportável som de um rádio no canto da sala exalando os gritos
do locutor que transmitia o jogo de futebol de mais um domingo.
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