7:30 da manhã. O trânsito começa a ficar pesado.
Mas lá vem ela pelo mesmo trajeto, sorrindo pra vida, caminhando fora da
calçada, no sentido contrário ao dos carros. Quando acha possível, arrisca-se a
atravessar a rua. Não espera o sinal ficar verde. Atravessa. Sem pressa. Fica
no meio da pista esperando pra atravessar o resto da rua. Ainda ali, olha para
a padaria bem a sua frente. E é pra lá que se dirige assim que consegue driblar
mais uma fila de carros. Chega sorrindo e fala algumas palavras que ninguém
entende. Um senhor que vende bolinhas de borracha na porta da padaria responde
"Ela não está". Ela quem? Talvez ninguém. É só uma resposta qualquer
pra uma pergunta qualquer. Isto acontece todos os dias desde que ela passou a
andar por aí.
Ela é uma mulher magra, de cabelos brancos e
fartos, que sempre se veste com uma saia e uma blusa escuras. A saia é longa,
quase arrastando no chão. Às vezes nem dá para notar que ela está descalça. Carrega
invariavelmente algumas sacolas de supermercado cheias de coisas que só ela
sabe o que são. Dizem que se chama Maria. Eu e minhas filhas a identificamos
como a "Mulher da Pasta", pois há tempos atrás, no lugar das sacolas, ela
carregava uma pasta estilo executiva. Ela andou sumida e quando voltou estava
usando as sacolas e a pasta deixou de acompanhá-la. Fora esta alteração,
continuava com a mesma aparência e fazia o mesmo trajeto de sempre. Uma vez a
vi sentada no meio deste caminho, sob uma árvore, cercada de livros e folheado
um deles. Enquanto folhava, olhava para longe, como se lesse a história em
outra dimensão. Carregava os livros sobre um dos ombros e segurando com a
cabeça. Os livros também sumiram como a pasta, mas as sacolas de supermercado são
sempre carregadas. O que será que elas contêm? Quem é essa mulher e o que faz?
Bem, a "Mulher da Pasta" continua sendo uma
incógnita. Tenho vontade de conversar com ela, saber quem é, de onde vem, para
onde vai. Mas meu impulso de repórter é contido pela lembrança de uma infância
vivida em cidade do interior. Esses lugares sempre conservam entre seus
habitantes uma figura como a "Mulher da Pasta", que alimenta a imaginação e o
medo das crianças justamente por ser uma incógnita. Lembro-me do "Deus Verde",
uma criatura enigmática, que usava túnicas longas e tinha uma barba comprida e
verde. Eu hoje não tenho certeza se via a barba dele verde mesmo ou era a minha
imaginação de criança que ia compondo o personagem a partir das narrativas de
crianças e adultos, mas tenho certeza do medo que sentia. Com essas imagens
revividas pela figura de agora, evito me aproximar e fico sem saber quem é a
mulher da pasta, assim como deixei de saber quem eram outras figuras como esta
soltas pelas ruas.
Enquanto tenho reminiscência, ela sai da padaria e
continua andando o dia inteiro. Já a vi por duas ou mais vezes retornando para
a mesma rua por onde passa de manhã cedo, ainda sorridente, na mesma cadência. Para
onde será que ela vai? - continuo pensando.
(28-06-2013)
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