Um dia conheci um Scliar no subsolo de uma galeria de artes,
em um dia e um mês de algum ano da década de 1980. Era o Carlos, um senhor
baixinho, com mais de 60 anos de idade, semblante simpático, que me contou
histórias que eu não conhecia. Falou do clube de gravura do Rio Grande do Sul,
aquela experiência vanguardista das artes plásticas brasileiras, quando um
grupo de artistas procurou dar à arte uma utilidade social, a exemplo do que já
vinha sendo feito na Europa no pós-guerra. Carlos Scliar me contou que, em
1950, juntamente com outros artistas gaúchos (Glênio
Bianchetti, Danúbio Gonçalves e Vasco Prado) criou o Clube da Gravura de Porto
Alegre (1950) de Bagé (1951). Tinham o intuito de praticar as técnicas de
gravura e, ao utilizarem esta linguagem, aproveitar para difundir a arte entre
a população de todas as camadas sociais. Já vivendo entre São Paulo, Rio e
Porto Alegre, Carlos Scliar me contou muito mais, sobre antigas e novas
gerações das artes plásticas. O Clube da Gravura tinha ficado para trás, mas
ainda repercutia em sua obra. Além de óleo/tela, quando o conheci ele ainda
fazia serigrafias, queria continuar propagando sua obra também para os que não
podiam pagar caro por ela. Foi assim que adquiri uma gravura dele.
Outro dia, anos depois de conhecer o Carlos, conheci o
Moacyr, um sobrinho dele ligado a outra arte, a de escrever. Passava pela
redação da TV Senado, onde trabalho, e no final do corredor avistei uma pessoa
cuja figura pública reconheci. Me aproximei e cumprimentei, como se faz com
toda personalidade. Nós, simples mortais, sempre achamos que as personalidades
acham que conhecem todo mundo e, por isso, não vão achar estranho um
cumprimento a mais, um aperto de mão, ou “que prazer”, “há quanto tempo que não
te vejo”. Mas o jornalista que estava com ele, que tinha acabado de
entrevista-lo, me apresentou. É como um contato do admirador do vinho com o
vinho. Sorve-se o vinho com prazer imensurável, deliciando-se com cada gota,
cada molécula da bebida. O vinho, no entanto, permanece vinho, impassível,
ainda irresistível, mas vinho.
Bem, ali estava mais um Scliar que eu admirava e sorvi este
prazer solitário de uma forma que só eu entendia. Com uma pitada de orgulho
bairrista, coisa que só gaúcho entende, saí dali saltitando, como uma tiete
adolescente. Eu agora conhecia o autor de O Centauro no Jardim e A Mulher que
Escreveu a Bíblia, que era tio de uma das personalidades das artes plásticas
brasileiras, que eu também admirava.
Anos depois, os Scliar também iriam me ajudar a compreender
a passagem chamada morte. Após conviver com situações familiares nesta área,
gente que não deixou livros nem pinturas para a posteridade, percebi que cada
um deixa o que pode, ou, nós que ficamos sorvemos o que nos interessa daqueles
que se foram. Da minha mãe guardei a dedicação e o desprendimento; do meu
sogro, a organização; dos Scliar, livros e pinturas que não são só meus, mas da
coletividade.
(03-03-2011)
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